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Do Limbo

Do limbo não se enxerga direito. Lá a mente permanece em estado de impertinente confusão. Entre raios e trovões você tenta pensar na sua vida inteira e ter um diálogo com Deus. Porque os trovões estão lá, mas Deus também está. Então você tenta correr para a luz. Mas é tudo desconexo no limbo, as escadas de algodão se desfazem enquanto você pisa e você está sempre fazendo as malas. Quem sobrará na casa desta vez? Quem te aguarda no novo abrigo? Você primeiro precisa chegar lá, mas a sua mente está em outro lugar, não há possibilidade de foco, e você que nunca teve muito foco, está finalmente em um quadro que faz sentido. A casa do seu avô está como quando ele era vivo. Cheiro de queijo. Os queijos enormes em cima das paredes que não vão até o teto. E o pote com aquele barulho gostoso de água fria e a casa cheia de gente. Teu amigo aparece lá, muito bem vestido, lindo mesmo, com a mesma cara de 23 anos que ele tinha quando morreu. Ele quer te mostrar uma coisa, e quando você vê é o te

Os loucos anos 20

Eu sempre tive um certo encantamento pelos anos 20. Veja, o cinema mudo, as mulheres à frente do seu tempo, a novidade de um novo século que agora tinha a juventude dos seus 20 anos. Então, eu dei a sorte de viver os anos 20. Só que no meu caso, era 2020. Cabelos curtos e lábios vermelhos, mulheres votando,  jazz e  melindrosas, não era novidade para ninguém. Fumar em público sim, voltou a ser uma coisa não revolucionária, mas mal vista. As conquistas dos anos 20 são o quê em 2020? Nos meus anos 20, começei em copacabana, vestida com meu buá, minha fita vermelha no cabelo e minha saia curta, reta, típico traje 1920. Porque eu achei engraçado, eu achei intelectual, eu achei pertinente. Eu jamais poderia imaginar que teríamos uma repetição da pandemia. Não era a peste, não era o cólera, não era a gripe espanhola, era uma nova, a nossa pandemia e mesmo assim era apenas uma repetição que se renova a cada 100 anos. Em 2020 a matrix se consolidou. Eu achei uma coisa horrenda, mesmo que eu me

Por que os autores escrevem

Mesmo quando acontece de um autor casar e ter filhos e construir a família padrão ou mesmo a não padrão, o autor é um solitário nato. Mesmo se ele ou ela virar um avô e as crianças lhe encantarem por uns instantes, logo depois ele se sentirá como o suicida, que é um cara extremamente só. Por isso ele escreve, ou faz uma música, ou se mata. É claro que aqui eu falo dos autores reais, não dos embusteiros. Quando acontece na vida de um autor dele experimentar um verdadeiro amor recíproco,  o compartilhamento de emoções de vida, ele fica completamente desnorteado,  querendo viver como um cachorro novo, só experienciar a vida lhe interessa, quer andar de bicicleta e ralar o joelho. Por isso também todo bom autor odeia do fundo do coração os outros autores que ele lê e considera bons, aqui a máxima que o ódio é muito próximo do amor ou é a mesma coisa que o amor, se aplica. A não ser que o cara já esteja morto, porque aí vira inspiração e não concorrência de solidões. Mesmo assim somos c

O Catamarã ou o Sexto Sonho

          Não sei por que mas todos temos que atravessar. Todos precisam passar  para o outro lado enquanto vão chegando Catamarãs, alguns luxuosos, alguns mais simples, sendo que cada porto recebe apenas os luxuosos, ou apenas as embarcações simples. Todos são muito próximos e dá pra ver as pessoas entrando em diferentes barcos por todos os lados.          No meu porto vem um Catamarã cor de madeira, em baixo é muito simples. Eu entro com medo, mas tenho que ir, todos temos que ir, obrigados por uma questão urgente que ninguém sabe qual é.         Chegando mais ou menos no meio do caminho, o capitão faz uma curva muito inesperada que vai inclinando o barco, vamos sendo todos derrubados para o nosso lado direito. Quem não consegue se segurar, cai na água. O Catamarã quase emborca,  muito lentamente toca na água todo virado para o lado direito, triscando numa água escura, e o barco deitando ao seu encontro. Acho que vamos todos morrer, há um pânico geral, mas aos poucos a barca vai no

A cegueira de uma geração

Sou formada em direito por uma Universidade Federal, na qual eu só entrei por conta de muito estudo e dedicação. Minha família nunca teve dinheiro e entrar em uma universidade pública era minha única chance de cursar uma faculdade. Lá nunca foi uma balbúrdia, muito pelo contrário, um lugar de desenvolvimento do pensamento crítico e de muito aprendizado. Estudei sempre muito História, pois creio que se os seres humanos olhassem para trás com mais frequência, deixariam de cometer os mesmo erros, pois a história da humanidade é bastante repetitiva. Eu sou radicalmente contra o atual presidente eleito e tudo que ele representa e meus motivos são inúmeros. A começar pelo discurso civilista dele, ou suas tentativas reiteradas de descredibilizar as instituições democráticas. Veja eu não sou inocente, não creio que o Congresso Nacional ou o STF estão livres da corrupção, ou são instituições perfeitas. Porém apenas através da manutenção dessas instituições, e da forma como os legisladores am

Três loucuras de amor

A Primeira Loucura: Pipa. Ela teve esse namorado, que amou muito e que tinha terminado com ela há dois anos. Obviamente, mesmo sem manter contato quase nenhum com ele, não o tinha esquecido. Era reveion e tomada pela saudade, ligou para ele sem aviso, para saber como ele estava, onde iria passar a virada. Ele, com simpatia disse que ia passar em Pipa.            - Que louco, eu também vou pra Pipa, vão várias pessoas daqui, vai ter encontro da faculdade.            Não sabia como tinha inventado isso, no mais ela já havia se formado há seis meses.            - Que massa.            - Então quando eu chegar aí, eu te ligo?            - Certo, beleza. Completamente em cima da hora, foi atrás de passagem pra Natal e pela toca do coelho, chegou em Pipa, no dia 31 de dezembro. Não havia um hotel, uma só pousada com vaga. Andando de porta em porta sem nada encontrar, resolveu ligar novamente, na esperança dele convidá-la para ficarem juntos.            - Oi cheguei, to aqui em Pip

Tocar é proibido

Nasci numa época de democracia, em que a guerra nos foi contada,  por meio dos livros de história, dos documentários e filmes tínhamos nossa percepção do horror daqueles tempos, mesmo que no nosso presente, a violência nunca tenha deixado de fazer parte da nossa vivência, é uma distância muito imaginativa para as pessoas que não vivem a violência diariamente, (muitos brasileiros vivem), da psiquê do ser humano em situação de guerra. Observamos desde as últimas eleições, não só no Brasil, o sentimento bélico tomando novamente forma nas sociedades. Seja em nome de Deus, do individualismo, do coletivo, do liberalismo e termos que a maioria dos brasileiros passou a repetir como forma de xingamento sem saber direito do que se trata: comunista e facista. Existe muito material sobre esses dois temas, e no final vou deixar umas sugestões para quem quiser.  É muito interessante notar que foram exatamente nos anos 20 que ambos esses movimentos ganharam força no mundo. E agora essa humanidade